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22/12/2021

PEPE ESCOBAR
Putin e Xi, para escapar da guerra híbrida de Biden

 Pepe Escobar, Asia Times, 16/12/2021 

Traduzido pelo Coletivo de Tradutores Vila Mandinga

 

“Ainda que só imaginando que a Rússia realmente “entre” nessa guerra [pela posse da Ucrânia], a preocupação principal dos russos não será a posição do ocidente – ninguém acalenta qualquer ilusão sobre isso no Kremlin, o qual, afinal, é só o que conta. – A preocupação dos russos é o fato de que a Rússia terá de lidar com população na maioria hostil, humilhada (e derrotas militares são extremamente dolorosas) e realmente reduzida à miséria mais feroz, de algo entre 20 e 25 milhões de pessoas. Quem precisa disso?! Como se diz nas ruas da Rússia: para ser ocupado pelos russos, o país tem de fazer por merecer” (“Fala o diretor do Serviço de Inteligência Exterior da Rússia. Naryshkin Verbatim, 27/11/2021, Andrei Martyanov, Blog Reminiscence of the Future).*

 

Captura de tela da recente conversa telefônica entre Xi Jinping e Vladimir Putin. Mikhail Metzel / Pool / TASS


Xi Jinping e Vladimir Putin conversaram por vídeo, durante uma hora e 14 minutos, na 4ª-feira passada. Geopoliticamente, pavimentavam o caminho para 2022, e isso é o que realmente importa – muito mais que
Putin-Biden na semana passada.

Dmitry Peskov, secretário de imprensa do Kremlin, que em geral pesa cuidadosamente cada palavra, já havia sugerido que essa conversa seria “extremamente importante”.

Era óbvio que os dois líderes não se limitariam a trocar informações sobre o gasoduto para gás natural Poder da Sibéria 2. Peskov referia-se a geopolítica de primeiríssima ordem: como Rússia-China passariam a coordenar seus contragolpes contra o combo de guerra híbrida/Guerra Fria 2.0 de que se servem os EUA e aliados.

Embora ninguém espere vazamentos substanciais desde o 37º encontro de Xi e Putin em 2013 (vão encontrar-se pessoalmente outra vez em fevereiro de 2022, na abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim), o Conselheiro Presidencial do Presidente para Política Exterior, Yuri Ushakov deu jeito para trazer a público pelo menos dois importantes bits de informação.

Eis os destaques da conversação:

  • Moscou informará Pequim sobre o progresso, ou ausência dele, nas negociações com EUA-OTAN sobre garantias de segurança para a Rússia.
  • Pequim apoia as demandas de Moscou à EUA-OTAN relacionadas àquelas garantias.
  • Putin e Xi concordam com criar “uma estrutura financeira independente para operações comerciais que não possa ser influenciada por outros países.” Fontes diplomáticas dizem, off the record, que a estrutura será anunciada em evento conjunto no final de 2022.
  • Discutiram a “Cúpula pela Democracia” da qual Biden foi o anfitrião, concluindo que foi contraproducente e impôs novas linhas divisórias.

De tudo isso, o terceiro ponto é realmente o mais decisivo – já em construção há alguns anos, e ganhou impulso definitivo depois que os falcões da guerra em Washington, tipo Victoria “F*da-se a União Europeia” Nuland voltou a ventilar a ideia de expulsar a Rússia da Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunications, SWIFT – a vasta rede de troca de mensagens usadas por bancos e outras instituições financeiras para trocar instruções para transferência de dinheiro. A ideia de Nuland ressurgiu com o pacote ‘final’ de sanções a serem aplicadas à Rússia, como represália por ‘invadir’ a Ucrânia – invasão que nunca aconteceu.

Putin e Xi mais uma vez discutiram um dos seus temas chaves em reuniões bilaterais e dos BRICS: a necessidade de continuar a aumentar a parte em yuan e rublos dos negócios entre os dois países – contornando o EUA-dólar – e abrindo novas avenidas do mercado de ações para investidores russos e chineses.


Cédula de 100 yuan e moedas russas de dez rublos. Foto: AFP / Demyanchuk /Sputnik


Contornar o mecanismo SWIFT “influenciado por terceiros países” passa assim a ser um must. Ushakov diz, diplomaticamente, que há “a necessidade de intensificar esforços para formar uma infraestrutura financeira independente que atenda às operações comerciais entre Rússia e China.”

Os negócios russos de energia, de Gazprom a Rosneft, sabem tudo que é preciso saber não só quanto às ameaças dos EUA, mas também quanto aos efeitos negativos do tsunami de EUA-dólares que inundam a economia global via o ‘alívio quantitativo’ do Fed.

Esse movimento de Rússia-China é mais uma dimensão da rápida mudança de poder geoeconômico, geoestratégico e demográfico na direção da Eurásia, e permite antever um novo sistema mundo relacionado a outros assuntos que Putin-Xi certamente discutiram: a interconexão da Iniciativa Cinturão e Estrada com a União Econômica Eurasiana; o alcance expandido da Organização de Cooperação de Xangai e a chegada da China à presidência dos BRICS em 2022.

Os EUA – com dívida impagável de US$30 trilhões, 236% do próprio PIB militarizado – está virtualmente em bancarrota. Rússia-China já experimentaram seus sistemas alternativos de pagamento, os quais serão inevitavelmente integrados.

Os bancos mais importantes nos dois países adotarão o sistema – bem como bancos por toda a Eurásia que negociam com eles, e daí, também vastas porções do Sul Global. No longo prazo, a sociedade SWIFT, só será usada em casos especiais, se China e Rússia puserem em operação sistema próprio.

Maidan redux

Agora, o xis do quebra-cabeças geopolítico.

Ushakov confirmou que
a Federação Russa apresentou aos EUA propostas sobre garantias de segurança. Como o próprio Putin confirmou, já antes de conversar com Xi, trata-se sempre de “segurança indivisível”: um mecanismo que foi consagrado para todo o território da Organização para Segurança e Cooperação na Europa desde uma reunião em Helsinki em 1975.

Como se poderia prever, obedecendo ordens todos sabem de quem, o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, já rejeitou tudo.

Ambos, Xi e Putin identificam claramente o modo como a Equipe Biden está fazendo um gambito estratégico de polarização, seguindo a velha ‘lei’ do dividir para governar. E o pensamento desejante os leva a crer que inventarão e manterão um bloco pró-EUA – com participantes que vão de Reino Unido e Austrália a Israel e Arábia Saudita – para “isolar” Rússia-China.

Isso é o que está por trás da narrativa barulhentamente ecoada por todos o Ocidente – à qual a Cúpula pela Democracia também estava conectada. Taiwan está sendo manipulada contra Pequim; e a Ucrânia está sendo literalmente armada contra a Rússia. A “agressão chinesa” encontra a “agressão russa”


Soldados russos e chineses fazem mira em exercício militar conjunto em 2018. Imagem: Twitter


Pequim não caiu na armadilha. Em vez disso, afirmou em diferentes níveis que Taiwan será eventualmente integrado à terra principal da pátria mãe, sem qualquer ridícula “invasão.” E o pensamento desejante de que pressão norte-americana massiva levaria a ‘rachas’ dentro do Partido Comunista da China tem gerado zero de tração.

Ucrânia é questão muito mais volátil: pesadelo disfuncional de instabilidade sistêmica, corrupção generalizada, sombrias disputas entre oligarcas, e miséria.

Washington ainda segue o plano Maidan concebido por Zbigniew Brzezinski e posto em prática por Nulan, a disseminadora de bolinhos, em 2014. Mas já sete anos depois daquilo, nenhum estrategista norte-americano conseguiu compreender por que Rússia fracassaria, se decidisse invadir a Ucrânia, que durante séculos foi parte da Rússia.

Para esses “estrategistas”, é imperativo que a Rússia enfrente um segundo Vietnam, depois do Afeganistão nos anos 1980s. OK. Não acontecerá, porque Moscou não tem qualquer interesse em “invadir” a Ucrânia.

E fica muito mais complicado. O medo absoluto que dita toda a política exterior dos EUA desde o início do século 20 é a possibilidade de que a Alemanha firme com a Rússia alguma nova versão do Tratado de Resseguro [ing. Reinsurance Treaty] de Bismarck, 1887.

Acrescente a China à combinação e esses três atores são capazes de controlar praticamente toda a massa terrestre eurasiana. Atualizando Mackinder, os EUA estariam então convertidos em ilha geopoliticamente irrelevante.

Putin-Xi podem ter examinado não só o modo como táticas da guerra híbrida imperial contra eles têm fracassado nesse objetivo e, além disso, as mesmas táticas arrastam cada dia mais e mais a Europa para o abismo da irrelevância.

Para a União Europeia,
como aponta o ex-diplomata britânico Alastair Crooke, o equilíbrio estratégico é um desastre: “A União Europeia virtualmente rompeu relações com ambas, Rússia e China – ao mesmo tempo. Os falcões belicistas de Washington assim o quiseram. Um ‘Brzezinski Europeu’ com certeza teria dado conselho diferente à União Europeia: jamais perca os dois ao mesmo tempo – vocês jamais têm ou terão todo esse poder.”

Não surpreende que a liderança em Moscou-Pequim não consiga levar a sério qualquer um daqueles e daquelas ‘de Bruxelas’ – sejam os chihuahuas da OTAN ou a espetacularmente incompetente Ursula von der Leyen na Comissão Europeia.

Um fraco raio de luz é que Paris e Berlin, diferentes da Polônia Russofóbica e da franja do Báltico, pelo menos preferem manter alguma negociação com Moscou em torno da Ucrânia, opondo-se a que se apliquem sanções extra.

Ministro Sergey Lavrov da Rússia (esq.) com o ministro Wang Yi das Relações Exteriores da China, em Pequim, dia 23/3/2021. Foto: AFP / Ministério das Relações Exteriores da Rússia. Foto para a imprensa / Anadolu Agency.


Agora imaginem o ministro Sergey Lavrov explicando o ABC da política exterior a uma Annalena “Verde” Baerbock sem noção, atualmente posando como ministra de Relações Exteriores da Alemanha, ao mesmo tempo em que distribui mix fresco de incompetência e agressividade. Na verdade, foi ela quem telefonou.

Lavrov teve de explicar meticulosamente as consequências da expansão da OTAN; o acordo de Minsk; e como Berlin deve exercer o direito que tem de pressionar Kiev para que respeite Minsk.

Não cabe esperar vazamentos de Ushakov. Mas é justo imaginar que, com “parceiros” tipo EUA, OTAN e União Europeia, Xi e Putin bem podem concluir que China e Rússia não precisam de inimigos.



* Epígrafe acrescentada pelos tradutores.

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