Putin não é general militar. Putin é líder moderno, espião supertreinado e estrategista que entende que a guerra é (mesmo!) continuação da política por outros meios (Clausewitz). Assim, se quisermos entender os motivos de Putin, melhor nos abstermos de tentar avaliar em termos de ‘objetivos militares rigorosos’, a campanha militar da Rússia. Em vez disso, melhor olhar para a campanha militar como se olha para instrumento político definido para mobilizar uma mudança geopolítica global e regional e em escala gigantesca.
É bem claro que o exército de Putin está fazendo o possível para evitar baixas civis. E está usando táticas de cerco, em oposição à doutrina bárbara dos EUA, de ‘Choque e Pavor’. Além disso, os militares russos trabalham duro para não desmantelar as forças militares ucranianas. Em vez disso, cercam as cidades e estão eliminando o exército ucraniano no leste e no sul do país. Os militares russos desmantelaram a capacidade da Ucrânia para se reagrupar, e, claro, também a capacidade dos ucranianos para contra-atacar. Analistas militares ocidentais concordam que é evidência clara da crescente deficiência do exército ucraniano o fato de o exército ucraniano não ter podido danificar seriamente o comboio russo de 60 km a caminho de Kiev. Isso, apesar de o comboio ter ficado parado por mais de 10 dias.
Nas últimas 24
horas, a Rússia deixou claro para o Ocidente que qualquer suprimento militar
ocidental para a Ucrânia será tratado como alvo militar legítimo. Em outras
palavras, o exército de elite ucraniano no Leste é agora força militar defunta;
pode defender as cidades, pode montar ataques de guerrilha à logística militar
russa distendida, mas não pode se reagrupar em uma força de combate com
capacidade para alterar o campo de batalha.
O exército de Putin, como concordam os especialistas militares, possui maciço
poder de fogo. Não é segredo que a artilharia da Rússia é força mortal e que
não há força que que se iguale a ela em qualquer lugar do mundo. A
justificativa militar para isso é bem clara.
A URSS nunca
confiou na qualidade e na lealdade de seus soldados de infantaria. Ao mesmo
tempo em que contava com o impacto em massa dos soldados, com seus números
absolutos, a URSS também inventava os meios, a tecnologia, as táticas e a
doutrina para vencer a batalha de longe, em preparação para a entrada das
massas. Foi a artilharia Vermelha que derrubou o Exército do 3º Reich.
Da mesma forma, a capacidade para pôr por terra cidades inimigas é o que fez a
fama da URSS e da Rússia moderna.
A Rússia goza desse poder, mas se absteve, até agora, de fazê-lo valer na
Ucrânia. A Rússia demonstrou que tem essa capacidade, em vez de implantá-la.
Segundo analistas militares, a
Rússia sequer começou a utilizar seu poderio aéreo superior. E tem usado apenas
o mínimo necessário para assegurar total superioridade aérea sobre a Ucrânia.
A tática do exército russo tem sido aumentar a pressão nos arredores das cidades, demonstrando o poderio militar russo e abrindo corredores para comboios humanitários. E esse é o truque.
A Rússia está
criando uma enxurrada de refugiados para o ocidente. Dado que o governo
ucraniano proibiu que homens de 18 a 60 anos deixem o país, estamos falando de
mulheres e crianças. Até agora, são cerca de 2,5 milhões de refugiados
ucranianos, mas esse número pode aumentar drasticamente.
E surge a pergunta: a Alemanha ficará feliz em aceitar outro milhão de
refugiados que não são força de trabalho? E o que farão França e Grã-Bretanha,
EUA, Canadá, todos aqueles países que empurraram Zalansky e a Ucrânia para uma
guerra, sim, mas foram rápidos ao abandonar o povo ucraniano à própria sorte.
Mais cedo ou mais
tarde, Putin acredita, a Europa aceitará toda a sua lista de exigências e
suspenderá a lista de sanções, podendo até compensá-lo por perdas nas vendas de
petróleo, tudo na tentativa desesperada de deter o tsunami de refugiados
ucranianos. Quando as armas esfriarem, muitos ucranianos podem preferir ficar
na Alemanha, França, Grã-Bretanha e Polônia.
Isso levará, pelo menos no cálculo de Putin, a uma mudança demográfica no
equilíbrio étnico em favor dos grupos étnicos russos na Ucrânia. No contexto
dessa mudança, Putin poderá dominar a situação no estado vizinho, por meios
políticos e até democráticos.
O plano de Putin
não é novo. Já foi usado, com sucesso, na Síria.
Quando o Ocidente percebeu que a Síria estava a pé, caminhando para a Europa,
foi muito rápido ao permitir que Putin ganhasse a batalha por Assad, à custa da
hegemonia americana no Oriente Médio. Putin agora emprega basicamente as mesmas
táticas. Pode ser cruel ou mesmo bárbaro, mas estúpido ou irracional não é.
A questão
principal é: como é possível que toda a elite política e ‘midiática’ ocidental
não tenha sequer qualquer mínima ideia sobre os movimentos de Putin e da
Rússia? Como é possível que nenhum analista militar ocidental seja capaz de
ligar os pontos e ver através da névoa dessa guerra horrível?