Scarlett Haddad, L’Orient-Le Jour, 28/9/2024
Traduzido por Helga Heidrich, editado por Fausto
Giudice, Tlaxcala
Scarlett Haddad é jornalista e analista do jornal libanês de língua francesa L'Orient-Le Jour. Ela é especialista em questões políticas internas libanesas, além de assuntos sírios, palestinos e iranianos do ponto de vista do Líbano, incluindo tópicos relacionados ao Hezbollah e ao conflito árabe-israelense.
Em um momento em que está travando uma guerra feroz, embora de apoio, contra os israelenses, o Hezbollah teme que possa enfrentar distúrbios internos. Em um momento em que os habitantes do sul voltaram a refugiar-se por causa da violência dos bombardeios israelenses em sua região, vozes políticas e de outros tipos se levantaram para criticar o Hezbollah e pedir que ele feche a “frente de apoio”. Isso pode ser pura coincidência ou a expressão da inquietação popular em relação a essa frente e à perspectiva de sua ampliação, mas também pode ser um passo em um plano para colocar o Hezbollah contra a parede como um prelúdio para seu enfraquecimento.
Depois de ter mais ou menos evitado criticar o Hezbollah muito abertamente, especialmente após a escalada israelense dos últimos dias, algumas figuras políticas decidiram levantar a voz. Isso pode ser totalmente justificado pela intensificação e ampliação dos ataques israelenses em várias regiões do Líbano e pela ameaça de uma invasão terrestre, mas a natureza simultânea dessas críticas levanta questões para o Hezbollah.
Em um momento em que é alvo de ataques assassinos e está conduzindo uma investigação interna sobre uma possível infiltração, que seus oponentes estão explorando para minar sua credibilidade entre seus apoiadores, o Hezbollah está se questionando se essa súbita onda de críticas é espontânea ou se é orquestrada por partidos estrangeiros. Ele também se pergunta se esse é apenas um meio indireto de pressioná-lo a aceitar determinadas condições ou se há um plano mais amplo.
O que realmente chama sua atenção é o momento dessa campanha, que ocorre em um momento em que as negociações de trégua devem ser realizadas em Nova York. Essas negociações, lideradas por americanos e franceses, devem, em princípio, envolver uma interrupção de 21 dias nos combates, o tempo necessário para se chegar a um acordo sobre uma solução aprofundada para a situação na fronteira sul do Líbano. O Hezbollah e, com ele, o Líbano oficial estão insistindo que o acordo também deve abranger Gaza, mas os israelenses e os americanos querem separar as duas questões. Portanto, eles poderiam tentar pressionar o Hezbollah para que mude de ideia sobre o último ponto.
Entretanto, o Hezbollah é inflexível e continuará a apoiar o Hamas em Gaza por meio da frente aberta no sul do Líbano. Ele considera que todas as tentativas de mudar de ideia estão fadadas ao fracasso, especialmente porque, após os últimos ataques israelenses, qualquer concessão de sua parte seria interpretada como uma derrota. Portanto, ele está preparado para enfrentar as consequências dessa posição, mas o que o preocuparia é se essa súbita onda de críticas não fosse o prelúdio de uma agitação interna. Além dos ataques israelenses, ele terá de lidar com a notória discórdia intercomunitária que se tornou uma obsessão para ele desde os confrontos de maio de 2008 entre o Hezbollah e o governo de Siniora.
Nos últimos meses, as pessoas próximas ao Hezbollah consideram que uma das maiores conquistas da abertura da “frente de apoio” foi a consolidação das relações entre os partidários do grupo e a rua sunita que favorece o Hamas. Esse tipo de “lua de mel” que sunitas e xiitas no Líbano estão vivendo atualmente, unidos pela causa palestina, significa que o Hezbollah pode sentir que sua retaguarda está protegida e, portanto, pode se dedicar totalmente à frente e ao seu ambiente popular. Além disso, o fato de que, de tempos em tempos, combatentes palestinos e outros de vários grupos sunitas lançam mísseis contra o norte israelense a partir do sul é uma forma de mostrar a extensão do entendimento e da coordenação entre eles e o Hezbollah. Da mesma forma, a recepção de pessoas deslocadas do sul em regiões predominantemente sunitas é mais uma prova das boas relações que existem atualmente. Esse é um golpe terrível contra qualquer tentativa de provocar discórdia entre sunitas e xiitas. Mesmo após os chamados ataques com bip e walkie-talkie, muitos jovens sunitas, especialmente de Tarik Jdidé, correram para dar sangue aos feridos.
No que diz respeito à comunidade drusa, o Hezbollah também pode ficar tranquilo devido às posições assumidas por seu líder Walid Joumblatt, que expressou repetidamente seu apoio à causa palestina e ao Hamas em particular nessa guerra que já dura mais de 11 meses. Ele também fez várias declarações pedindo aos habitantes da montanha que abrissem suas portas para os deslocados do sul e aumentou o número das chamadas reuniões de reconciliação e aproximação com várias partes na montanha e em outros lugares, com o objetivo declarado de cortar pela raiz qualquer tentativa de discórdia interna.
Ainda restam os cristãos, que parecem ser mais difíceis de serem tratados pelo Hezbollah no período atual. Suas relações com o Movimento Patriótico Livre (MPL) se tornaram mais complicadas e ele não pode mais contar com o apoio inabalável da base do partido. É verdade que o MPL elaborou um plano para ajudar os deslocados no sul, mas a sensibilidade de sua base não é mais tão favorável ao Hezbollah. Por outro lado, a maioria dos outros partidos é totalmente hostil ao Hezbollah e, mesmo que seus líderes tenham esperado antes de expressar abertamente suas críticas, elas já estavam no ar.
Quanto a isso, sem dúvida não há nada de novo. Mas recentemente circularam rumores de que alguns partidos estão se organizando e treinando para um possível confronto com o Hezbollah. Imediatamente, o espectro da guerra civil, em todos os seus estágios, que ocorreu entre 1975 e 1990, reapareceu. Obviamente, as partes envolvidas negam qualquer desejo de se envolver em um novo confronto armado e afirmam que suas críticas são apenas a expressão de uma posição política justificada. Da mesma forma, fontes militares bem-informadas negam totalmente os rumores de uma possível militarização do conflito político, garantindo-nos que não há preparativos nesse sentido. Declarações tranquilizadoras nestes tempos de ansiedade. Portanto, este não é o momento para discórdia.
José Alberto Rodríguez Avila, Cuba
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