Colonel Cassad, 17/8/2021
Traduzido pelo Coletivo de tradutores Vila Mandinga
Colonel Cassad é o pseudônimo de Boris Aleksandrovich Rozhin (Sevastopol, 1981), um popular blogueiro russo.
Os Talibã fizeram sua primeira conferência oficial de imprensa, como novas
autoridades afegãs, dia 17 de agosto em Cabul. Além de ler declarações, os Talibã também responderam
perguntas de jornalistas.
O principal orador foi o porta-voz dos Talibã, Zabihullah Mujahid.
Nas palavras dele, o Mulá Baradar, que deve assumir como presidente do
Afeganistão, já chegou ao país.
1. As mulheres poderão ser educadas até o nível universitário.
2. As mulheres poderão trabalhar.
3. Os Talibã pedem que as mulheres usem a cabeça coberta, mas elas não serão obrigadas a usar a burqa.
4. O Emirado Islâmico não ameaça ninguém e não alimentará inimizade contra seja quem for. Os Talibã não usarão a via da vingança.
5. Os líderes do Estado Islâmico ordenaram perdão geral. Os Talibã estão pondo fim à inimizade que os afastou de todos que os perseguiram no Afeganistão.
6. Os Talibã orgulham-se de ser a força que libertou o Afeganistão da ocupação por forças estrangeiras, depois de 20 anos de luta.
7. A segurança das embaixadas estrangeiras e de organizações internacionais é prioridade para os Talibã. Forças especiais dos Talibã garantirão proteção em solo para os que estão deixando o Afeganistão e para quem opte por ficar no país.
8. Será constituído um governo islâmico forte e inclusivo [! (exclamação no original), no Afeganistão.
9. Os Talibã não atacarão cidadãos norte-americanos no aeroporto de Cabul. Nenhum cidadão ou cidadãos norte-americanos ou de outras nacionalidades serão agredidos.
10. A mídia estrangeira poderá continuar a trabalhar no Afeganistão. Jornalistas terão oportunidade para criticar o governo dos Talibã e divulgar detalhes do próprio trabalho.
11. A liberdade de expressão no Afeganistão estará alinhada com valores islâmicos. A mídia pode trabalhar pela unidade da nação, de modo que os afegãos vivam em paz, como irmãos.
12. Funcionários públicos devem continuar a trabalhar para benefício do Estado e da sociedade. A anistia geral aplica-se também a eles.
13. Mais, sobre as mulheres. Todos os direitos das mulheres serão garantidos nos limites da lei islâmica. Para os Talibã, as mulheres são parte chave da sociedade, mas têm de considerar as normas do Islã.
14. Os Talibã não perseguirão tradutores afegãos que trabalharam com o regime de ocupação. Não serão perseguidos nem sofrerão retaliações. Não precisam deixar o Afeganistão.
15. Os Talibã garantem, incluindo os EUA, que o território do Afeganistão não será usado para atacar outros países.
16. Todo o pessoal militar afegão que trabalhou diretamente com a ocupação das forças também receberá anistia.
17. Os Talibã querem o reconhecimento da comunidade internacional, que nada tem a temer dos Talibã. Os Talibã não ameaçam outros países e estão prontos a discutir todos os problemas possíveis nas relações no quadro de negociações bilaterais ou multilaterais para resolver problemas.
18. O governo Ghani foi fraco e decepcionou os afegãos. Não cumpriu as próprias promessas e logo fugiu do país.
19. Os Talibã são avalistas da segurança do povo de Cabul e impedirão saques, roubos, assaltos e outros crimes.
20. Um porta-voz dos Talibã insistiu que os Talibã tomaram todo o Afeganistão em 11 dias.
21. Considerada a violência que marcou os anos de guerra, os Talibã afirmam que não foram movidos pelo espírito de vingança, mas que não tiveram escolha, naquelas circunstâncias de guerra. Agora, são outros tempos, e a abordagem será diferente.
22. Os Talibã prometem que muito rapidamente o Afeganistão será transformado. As transformações serão positivas, porque todos os afegãos desejam vida melhor. Os Talibã tomarão medidas sérias para melhorar a economia do país, com a ajuda de países amigos.
22. Os Talibã mantêm boas relações com Paquistão, Rússia e China. Mas os Talibã não têm aliados e não fazem parte de nenhum bloco político-militar.
23. Do ponto de vista dos Talibã, a guerra afegã está oficialmente acabada. Os Talibã querem que os dias de guerra fiquem no passado, e o Afeganistão não é mais campo de batalha entre afegãos e potências estrangeiras.
24. Os Talibã têm vasta experiência em vários campos, que os ajudará no processo de mudar o Afeganistão para melhor.
25. Os Talibã comprometem-se a garantir que o governo afegão seja aberto ao povo e inclui representantes de diferentes grupos.
26. Os Talibã dizem que não permitirão que o Afeganistão converta-se em paraíso seguro para terroristas internacionais (alusão nada disfarçada ao ISIS).
Os que assistiram à conferência de imprensa observam que os Talibã não estavam muito seguros nas respostas a duas perguntas – sobre jornalistas mulheres e a situação da produção de drogas no Afeganistão, embora dissessem que o trabalho das mulheres será admitido no quadro da Lei da Xaria, e que planejam pôr fim à produção de drogas.
PS. Em geral, os Talibã prometeram muito, rios de leite – regime islamista moderado, menos radical que o regime da Arábia Saudita. O regime perdoa e não se vingará dos próprios inimigos. Regime que não quer ir a lugar algum, mas deseja engajar-se no desenvolvimento do Afeganistão, com a ajuda de outros países (prioritariamente Paquistão, Rússia e China): contra o terrorismo e contra as drogas; e a favor de governo inclusivo, do empoderamento das mulheres no quadro das Leis da Xaria, etc. etc.
Na prática, soa como uma paródia do filme “Dogma” e/ou “Catolicismo é do bem”.
Outra questão é que esse “Talibã energético” até aqui existe quase que só em palavras, e os novos feitos não são segredo. Pessoas comuns, por sua vez, veem belas palavras e promessas bem específicas. E até aqui, os segundos claramente têm mais peso que os primeiros.
Assim sendo, é claro que ninguém deve confiar cegamente nem nos Talibã, nem em ninguém. Para provar que haja algo de consistente por trás dessas palavras, é preciso ver realizações no quadro do Afeganistão que está sendo desenhado por conceitos de uma Xaria ‘cor-de-rosa’.
Sobretudo, tenham em mente que as declarações vêm pela boca do gabinete político dos Talibã, e nem todas as facções e grupos que constituem o movimento dos Talibã [literalmente, “dos estudantes da Xaria e de outros textos clássicos do Islã”] partilham as mesmas ideias. Dentro do próprio movimento, pode haver vozes discordantes em vários itens, especialmente no que diga respeito a interpretações da Xaria.
De modo geral, a conferência de imprensa mostrou que os Talibã são capazes de falar bem e prometer muito. É preciso contudo esperar um pouco, para ver as questões em campo, em casos específicos.
Claro que, se os Talibã fizerem pelo menos, que seja, parte do que prometeram hoje, as atitudes do planeta podem mudar em relação a eles.
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